Tempo esquisito, novo livro da psicanalista Maria Rita Kehl, traz para o leitor um conjunto de reflexões e análises, em sua maioria feitas durante o período da quarentena da Covid-19: “Diante de tanta tristeza, escrever foi uma forma de ocupar o espaço do debate público sem romper o isolamento físico. Uma forma de estar com os outros”, conta ela no prólogo.
Nos textos, Kehl aborda temas recorrentes desde 2019 – início do mandato de Jair Bolsonaro na presidência –, como saúde pública, negacionismo, violência policial, indiferença e desigualdade social. Há artigos, por exemplo, sobre o linchamento do congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro, em 2021, e sobre o assassinato de Genivaldo dos Santos, morto pela Polícia Rodoviária Federal, em 2022, em Sergipe. Mas, lembrando que “não somos só isso”, nesta obra trata também de música, cinema, teatro – além, claro, de psicanálise, seu campo principal de atuação.
A autora recorre ao conceito de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal para estabelecer um paralelo com a realidade brasileira: “Ciente de ter desvirtuado a expressão em relação ao contexto em que fora criada, insisto em resgatá-la aqui para qualificar, com outro sentido, a leviandade com que muitas pessoas se sentem autorizadas a praticar ruindades contra indivíduos vulneráveis. Ou a indiferença com que se eximem de qualquer gesto de solidariedade em relação à multidão de miseráveis que aumenta a cada dia nas cidades do país”, argumenta, num exercício intelectual sagaz e despido de ilusões.
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